O uso correto da ventilação natural proporciona conforto térmico para os ambientes, sem necessidade de equipamentos consumidores de energia.
Obtém-se conforto térmico dos ambientes conjugando dois fenômenos naturais: 1) o ar, quando aquecido, sobe, e: 2) a água, para passar de líquida a gasosa, consome calor.
A eficiência aumenta com a ventilação cruzada, que se obtém utilizando os ventos, ou então produzindo um fluxo interno de ar através da localização correta de aberturas, para a entrada de ar fresco e saída de ar aquecido.
Utilização da ventilação cruzada na arquitetura vernacular
A Herança Cultural das mais diversas comunidades revela a acumulação de conhecimentos adquiridos ao longo das gerações. Entre esses conhecimentos, os modos de utilizar os recursos da natureza para obter maior conforto ambiental. Cito dois exemplos, extraídos de minhas pesquisas em arquitetura vernacular.
– Casas da imigração italiana no Rio Grande do Sul
Os dormitórios principais eram dispostos nos ângulos da edificação, contando com duas janelas, localizadas em paredes distintas. Assim, a incidência da insolação e da brisa, normalmente diferente em cada face, leva o ar a entrar no ambiente por uma dessas janelas, e sair pela outra. Até mesmo os ambientes com apenas uma janela podiam beneficiar-se da ventilação cruzada, mantendo a porta aberta, e criando o fluxo com as janelas da circulação.
– Casas com terraço do Sudeste Brasileiro
Nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, tornaram-se comuns as casas com terraço, que o povo denomina, pejorativamente, “caixotinho”. Embora não se distingam sob o aspecto da beleza arquitetônica, são muito eficientes para proporcionar, em clima quente, ambientes com temperaturas de conforto. O terraço provido de telhado afasta a radiação do sol dos ambientes de permanência prolongada. Sob o telhado, em uma água, ocorre a circulação livre do ar. O ar aquecido pela irradiação do telhado sobe, escoando para a atmosfera na borda mais alta, sendo substituído por ar com temperatura menor, que entra pelo lado da borda mais baixa.
Ventilação e conforto
A sensação de conforto não depende só da temperatura, observa Abadia Beatriz Magnino[1]:
A sensação de calor é diferente da sensação de temperatura alta. É fácil ficar por horas em uma praia a 30° ou 40°, porém, se torna quase impossível suportar uma temperatura similar, em sala fechada. A diferença é que na praia, a brisa constante do mar, a ventilação nos dá uma sensação térmica agradável.
Como a brisa contribui para o conforto térmico? Ela acelera a evaporação da transpiração (suor) do corpo. Ora, a água, para evaporar (passar do estado líquido para o gasoso) consome 540 calorias por grama, retirando esse calor da pele que transpira. Para ter uma noção do quanto esse valor é expressivo, basta lembrar que uma caloria corresponde à energia necessária para elevar em um grau um grama de água: portanto, para elevar um grama de água, de 0º C para 100º C, são necessárias 100 calorias, menos que a quinta parte da necessária para que esse grama de água passe do estado líquido ao gasoso.
Os leques e ventiladores valem-se desse fenômeno, chamado calor latente de vaporização: eles não rebaixam a temperatura do ambiente, mas, acelerando a evaporação da transpiração humana, retiram mais calorias da pele que transpira, baixando, assim, a temperatura dessa pele.
Os ventiladores de teto são muitíssimo utilizados no Brasil para minorar o desconforto gerado pelas temperaturas altas. Porém, se não houver renovação de ar vindo do exterior, os ventiladores devolvem para baixo ar sempre mais saturado de umidade e calor, e assim sua eficiência vai se reduzindo.
Habitualmente, as janelas são dispostas à meia altura do pé-direito, na zona neutra do ponto de vista da ventilação. O correto é produzir um fluxo contínuo de ar fresco vindo do exterior, com saída do ar aquecido para fora do ambiente. Como o ar aquecido sobe, o melhor resultado se alcança quando o ar fresco entra por uma abertura próxima ao piso, escoando para fora do ambiente, junto ao teto, preferencialmente em parede oposta.
Hassan Fathy[2] lembra que a janela, como utilizada na Europa, não constitui a única alternativa, e exemplifica com a prática tradicional egípcia:
Na Europa, onde o controle de calor não é uma questão de importância primordial, a janela serve a três finalidades: deixa o ar entrar, permite a entrada da luz e possibilita que se veja o que há lá fora. Mas essas três funções não são inseparáveis e, na verdade, os construtores do Oriente Médio costumavam separá-las. Nas antigas casas do Cairo a função de ventilação nos vestíbulos principais (ka’as) é desempenhada por um dispositivo denominado malkaf, que capta o vento bem no alto, onde ele é forte e limpo, e por meio de uma disposição especial do aposento, em que a parte central (dorka’a) é construída bem alta, o que permite que o ar quente escape por cima. Esse pega-vento pode então ser colocado precisamente a um ângulo ideal para captar o vento, independentemente da orientação da casa.
Ventilação Cruzada no Sistema Posenato
O Sistema Posenato proporciona duas formas de ventilação cruzada, que fazem parte da Patente Verde.
– No interior das paredes
As paredes, no Sistema Posenato, são dotadas de alvéolos verticais. O ar externo entra nos alvéolos, na base dessas paredes. O calor da radiação solar que incide e penetra na primeira camada dessa parede, aquece o ar no interior dos alvéolos, fazendo com que ele suba, atravessando furos passantes nas lajes de forro e escoando na atmosfera.
O ar circula nos alvéolos das paredes, proporcionando isolamento térmico.
– Nos ambientes de permanência prolongada (dormitórios e estar)
Nos dormitórios e sala de estar, são dispostas tomadas de ar, próximas ao piso, dotadas de veneziana regulável, para tomada de ar fresco. O ar aquecido se escoa junto ao teto, em parede oposta ou adjacente.
Tomadas para entrada de ar fresco, junto ao piso (à esquerda), e saída do ar aquecido, junto ao teto, em parece oposta ou adjacente (à direita).
Referências
FATHY, Hassan. Construindo com o povo: arquitetura para os pobres. Rio de Janeiro: Salamandra, 1980, 261 p., il.
MAGNINO, Abadia Beatriz. Vento, ventania, ventilação natural, ecoarquitetura: as lições de Hassan Fathy. [s. d.]. Disponível em: <docplayer.com.br/25547836-Vento-ventania-ventilação-natural-ecoarquitetura-as-lições-de-hassan-fathy.html>. Acesso em: 07 set. 2017.
M2 ARQUITECTURA. Arquitectura biolcimática: mayor ecología, mayor economía, mayor bienestar. [s. d.]. Disponível em: <https://www.m2arquitectura.eu/es>. Acesso em: 23 st. 2017.
POSENATO, Júlio. Arquitetura da imigração italiana no Espírito Santo. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1997, 560 p., il.
______.. Arquitetura da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1983, 600 p., il.
[1] MAGNINO, [s. d].
[2] FATHY, 1980, pg. 68.